AS “SANTAS DO POVO” NO CEARÁ

A RELAÇÃO ENTRE CORPO EM SOFRIMENTO E PRODUÇÃO DE SANTIDADE, A PARTIR DE UM OLHAR DE GÊNERO.

Autores

DOI:

https://doi.org/10.31668/rta.v22i02.12429

Palavras-chave:

Gênero, Corpo em sofrimento, Santas do povo

Resumo

Origina-se este artigo dos diferentes achados sobre devoção popular, a partir de pesquisa de doutorado realizada. Aqui, todavia, iremos afunilar o debate e analisar os seguintes objetivos: elencar as “santas do povo” no Ceará, destacando se há relação entre corpo em sofrimento e produção de santidade, num olhar de gênero; discutir as particularidades de histórias de mulheres assassinadas e tornadas parte do catolicismo popular, no Ceará e, por fim, traçar um perfil de quem são elas, da faixa etária, das motivações do crime, da temporalidade de suas mortes entrelaçado com narrativas de devotos. Importa destacar que utilizamos amplamente análise documental (FREHSE, 2005), num olhar atento às matérias de jornais. Debruçamo-nos, especialmente, sobre as histórias das “santas do povo” no Ceará, baseado no caderno “Santificados”, do jornal “O Povo”, um dos principais jornais de circulação de Fortaleza-CE. Os resultados desta investigação nos revelam que das dezesseis “santas do povo” cearense analisada, não há dúvidas de que a castidade, o silêncio e a obediência são uma representação do discurso católico (GAJANO, 2002; LE GOFF, 1990; LE GOFF, 2007; MATOS, 2014) que atravessa a vida dessas mulheres. Algumas criaram estratégias de agenciamentos em suas vidas, numa perspectiva de gênero (MARQUES, 2014), porém, foram reconstruídas pelos “fabricantes de santos” (SÁEZ, 1996), a partir do discurso da violência, reconfigurado na ideia de martírio. Porém, é sabido que as narrativas a respeito delas transbordam ou até “subvertem” tais tipologias. São, pois, santas híbridas e porosas, no sentido de que não há uma identidade fixa de santidade nas histórias apresentadas. Há, sim, pontos de interrogações, recriações, assimetrias e continuidades na constituição de feminilidades das “santas do povo”.

Biografia do Autor

  • Daniele Ribeiro ALVES, Universidade Federal do Ceará (UFC)

    Docente convidada do Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas - PPGPP-disciplina Tópicos Especiais em Metodologia Avaliativa) . Docente da Faculdade Rodolfo Teófilo-FRT e do Centro Universitário Maurício de Nassau-UNINASSAU-Fortaleza-CE; Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará UFC-(bolsista Capes).Mestra pelo Programa de Pós-Graduação de Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará - UECE (bolsista Capes). Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (2009) e Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará(2012). Especialista em Saúde Pública (2021). Atualmente é pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Sexualidade, Gênero e Subjetividade - NUSS-UFC; Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Religião, Cultura e Política (NERPO) -UFC; Pesquisadora do grupo de pesquisa Gênero, Família e Geração nas Políticas Públicas e Sociais -UECE . Integra a equipe do Observatório da Violência Contra a Mulher - OBSERVEM, como pesquisadora. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Gênero, Violência, Sexualidade e Religião. Atua ,principalmente, nos temas: violência, gênero, políticas públicas, sexualidade e religião.

  • Antônio Cristian Saraiva PAIVA, Universidade Federal do Ceará (UFC)

    Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (1994), com formação psicanalítica. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (2004). Pós-Doutorado em Sociologie et Anthropologie, na Université de Strasbourg, France, sob supervisão de David le Breton, tendo também desenvolvido atividades na Université Paris-Diderot (Paris 7) e na École des Hautes Études en Sciences Sociales (2013-2014), contando com a concessão de Bolsa Estágio Sênior - CAPES. É pesquisador de Produtividade em Pesquisa (PQ 2-CNPq), Docente Associado 3 do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC e coordenador do Curso de Ciências Sociais da UFC (Bacharelado e Licenciatura Período Noturno). Professor do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (Profsocio). Coordenou o Doutorado Interinstitucional (DINTER) em Sociologia com a Universidade Federal do Amapá (2013-2017). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia da Família, das Relações de Gênero e da Sexualidade; pesquisa sobre as temáticas: subjetividade e experiência social, relação saúde e sociedade e etnografia dos saberes psi (privilegiando o diálogo com a psicanálise), Michel Foucault, politicas sexuais contemporâneas, homossexualidade e homoconjugalidade. Atualmente pesquisa sobre temporalidade, memória e implicações subjetivas na doença de Alzheimer. Coordena o Núcleo de Pesquisas sobre Sexualidade, Gênero e Subjetividade (NUSS), laboratório vinculado à linha de Pesquisa: Diversidades culturais, estudos de gênero e processos identitários, do PPG em Sociologia da UFC. É lider do Grupo de Pesquisa Psicanálise & Ciências Sociais, cadastrado no DGP/CNPq.

  • Kelyane Silva de SOUSA, Universidade Estadual do Ceará (UECE)

    Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará (2012) e Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (2015). Doutoranda em Políticas Publicas pela Universidade Estadual do Ceará. Professora Temporária do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará - UECE. Professora do Curso de Serviço Social da Uniateneu. Pesquisadora do Observatório da Violência contra a Mulher - Observem da UECE. Tem experiência na área de Serviço Social, atuando principalmente nos seguintes temas: violência contra a mulher, serviço social e relações de gênero e poder. 

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Publicado

2022-11-20

Edição

Seção

DOSSIÊ SEXUALIDADES NO SAGRADO Parte 1

Como Citar

AS “SANTAS DO POVO” NO CEARÁ: A RELAÇÃO ENTRE CORPO EM SOFRIMENTO E PRODUÇÃO DE SANTIDADE, A PARTIR DE UM OLHAR DE GÊNERO. Revista Temporis[ação] (ISSN 2317-5516), [S. l.], v. 22, n. 02, p. 27, 2022. DOI: 10.31668/rta.v22i02.12429. Disponível em: //www.revista.ueg.br/index.php/temporisacao/article/view/12429.. Acesso em: 5 jun. 2025.

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