Apresentação - Dossiê: Geografia e Comunicação
Palavras-chave:
Geografia, ComunicaçãoResumo
Como a geografia se comunica e qual a geograficidade da comunicação? Não temos resposta para tal questão, ou melhor, partindo de uma perspectiva dialética, temos uma diversidade de possíveis repostas, múltiplas e fragmentadas. É no sentido de juntar alguns elementos deste mosaico explicativo que apresentamos o dossiê temático “Geografia e Comunicação”. A relação entre geografia e comunicação abrange desde linguagens simbólicas que incluem, por exemplo, as pinturas corporais indígenas, as danças tradicionais quilombolas, a cultura camponesa, até uma análise da sociedade em rede e da grande mídia, além da era da informação instantânea, com as novas tecnologias, a internet, a mídia digital e as novas redes sociais implicadas no “capitalismo de plataforma”. (Srnicek, 2017).
Os povos indígenas tem a arte como elemento cultural essencial. Mas, tal elemento não está desconectado dos processos de comunicação. O artesanato, os adornos e a pintura corporal comunicam seus clãs, seus rituais, suas lutas, sua relação orgânica com a natureza, sua cosmovisão. A pintura corporal entre o Povo Boe (Bororo), por exemplo, define a divisão clânica e, por consequência, define a organização espacial das aldeias e territórios. Contudo, a linguagem artística da pintura, com outros sentidos e significados, de resistência e protesto, também está refletida no grafismo em territórios urbanizados.
Os processos de comunicação de massa, no entanto, passaram por transformações amplas na última metade deste século. Primeiro com a grande mídia, estruturada para atender aos interesses dos agentes dominantes, que influenciou e continua a influenciar diretamente a configuração e a dinâmica dos territórios, criando padrões de comportamento e garantindo o controle social. Quem controlou a grande mídia controlou a geração e circulação de informações e, por consequência, deteve o poder político e econômico global.
Nas últimas décadas, o advento da internet, solidificando uma sociedade da informação, tem estabelecido uma rede com novas e dominantes formas de produção de conteúdo e compartilhamento de informação. Manuel Castells (1999) já chamava a atenção, a mais de duas décadas, para a importância da internet, que não deveria ser considerada uma mera tecnologia, visto que passou a influenciar amplamente a cultura e a vida cotidiana da sociedade, passando a definir, controlar e conectar os diferentes territórios e seus usos. Neste sentido, além da população perder a socialização no mundo real, e não estar estabelecido que as tecnologias sejam consideradas como “bem comum” a todas e todos, as Big Techs (Apple, Google, Facebook, Amazon e Microsoft etc.), reafirmam e promovem as desigualdades e a exclusão social e digital mundial, direcionando exclusivamente as tecnologias para seus interesses privados de lucro e poder.
Como a geografia tem estudado e poderia analisar a comunicação a partir desse novo contexto histórico e espacial, sem perder a perspectiva de autonomia e resistência dos povos e grupos sociais subalternizados? E, ou uma comunicação intercultural com diferentes saberes e visões? Um passo nesse sentido foi dado por Jesus Martin-Barbero (2000; 2003), quando destaca a necessidade de compreendermos a comunicação como um fenômeno complexo, constituída em Ecossistemas Comunicativos cultural e socialmente estabelecidos. As informações na era da internet seriam, nessa perspectiva, acessadas de forma fragmentada e constituiriam um mosaico de saberes.
Não havendo pluralidade e diversidade de ideias e sentidos em circulação no território, limita-se a possibilidade de criar, a partir dos lugares, projetos diferentes daqueles que atendem aos interesses dos agentes dominantes. (Pasti, 2018, p. 23).
O território, nesse sentido, torna-se elemento essencial para a construção de processos comunicativos mais democráticos e libertadores. A comunicação não acontece no vazio, ela necessita de um território para se efetivar. Portanto, a geografia torna-se instrumento essencial para a compreensão crítica da sociedade em rede e da era da informação instantânea. Ela possibilita, ainda, o entendimento da espacialização das tecnologias, das informações e das estratégias de extração do olhar e dos dados pessoais pela “superindústria do imaginário” (Bucci, 2021).
Sendo assim, com este dossiê temático esperamos que a pesquisa crítica no campo das interpretações geográficas fortaleça o diálogo com a comunicação e as múltiplas linguagens que constituem a densa experiência humana na relação com os territórios.
Referências
BUCCI, Eugênio. A superindústria do imaginário: como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível. São Paulo: Autêntica, 2021.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
MARTIN-BARBERO, Jesus. Retos culturales de la educación a la comunicación. Nueva Sociedad, n. 169. Bogotá: Cátedra Unesco de Comunicación Social, sept./oct. 2000.
MARTIN-BARBERO, Jesus. Saberes hoy: diseminaciones, competencias y transversalidades. Revista Ibero-americana de comunicação, n. 32, 2003. p. 17-34.
PASTI, André. A comunicação, os usos do território e o método geográfico: em busca de uma leitura crítica. In: XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercom: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Fortaleza/CE 3 a 7/9/2012. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2012/resumos/R7-0986-1.pdf>. Acesso em: 10 de ago. 2023.
SRNICEK, Nick. Platform Capitalism. Cambridge: Polity Press, 2017
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