SOBREVIVÊNCIA, CULPA E VERGONHA

A “ZONA CINZENTA” DO DILEMA MORAL DOS NARRADORES TESTEMUNHAS EM MILTON HATOUM

Autores

  • Cacio José Ferreira POSLIT/UnB - UFAM
  • Norival Bottos Júnior PPGLL/UFG

Resumo

Este trabalho tenta refletir sobre o estatuto da linguagem que se anula a si mesma na impossibilidade de transmitir através do testemunho a ilusão da voz que pode dizer algo sobre o “outro” marginalizado por questões étnico-raciais. Nos quatro primeiros romances de Milton Hatoum, a narração da experiência marginal dissipa-se na voragem insólita da linguagem que finda nela mesma. Na reconstrução ficcional de Milton Hatoum, analisar-se-á a figura da testemunha como aquele que não pode abrir mão do imperativo de narrar o que viveu na condição de “testemunha”, embora, paradoxalmente, apenas seja capaz de narrar o que não faz parte da economia narrativa, ou seja, a experiência limite de narrar o indizível, tarefa que obriga o narrador a absorver um certo tipo de conhecimento que não pode ser transmitido, mas que também não pode, de todo modo, deixar desaparecer. Figura intervalar, esse narrador sobrevive numa espécie de entre-lugar, junto aos índios que habitam as casas de famílias árabes ou portuguesas. Esses habitantes clandestinos abriram mão da vida, porém, não estão mortos, são os não-homem, o abjeto, a figura extrema do horror do neocolonialismo na região amazônica, trata-se de evidenciar como o narrador que é a testemunha impotente de um mundo que desapareceu diante de seus olhos tem de conviver com a vergonha e a culpa de ter sobrevivido, seu espaço é a zona cinzenta do exílio, exterior, mas sobretudo, interior, um exilado convertido em testemunha do abismo inumano do horror.

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Publicado

2019-10-28